A mulher ancestral que habita em mim tem gritado. Mas não é um grito simples como quem chama do outro lado da rua. É um grito de desespero, ensurdecedor. Um grito que surge no útero . Um grito que foi gestado e que durante a gestação acumulou dores, medos, angústias, reuniu forças e sentiu que era hora de rasgar as entranhas e sair.
Sua voz foi diuturnamente calada por mim. Eu a reneguei todas as vezes que tentei dizer que ela não existia, que era apenas um padrão social imposto, mas na verdade, fazendo isso eu é que tentava caber no novo padrão social imposto. O da mulher moderna. Da mulher que vai ao salão enquanto participa de uma reunião on line, da mulher que estuda, que frequenta a academia, que usa salto alto em contraste com um terno, da mulher que é forte, capaz e sim, eu sou tudo isso. Sou as muitas mulheres que habitam em mim, mas ela sempre esteve lá, a mulher ancestral sempre carregou todas as outras “eus” em seu útero; sempre embalou em seu colo e passou noites me olhando dormir tal qual uma mãe cuidadosa.
Enquanto busquei me transformar em tantas coisas, em tantas outras, ela me carregava presa ao seu corpo ao passo que andava descalça pela mata, com os cabelos soltos e vestido leve colhendo ervas para aplacar as minhas dores.
Ela me lembra que sou Lua, que sou cíclica… que preciso parar e cuidar do meu corpo, cuidar da minha mente. Ela me lembra que estou conectada à Grande Mãe e, que se eu fechar meus olhos e voltar meu olhar pra dentro nós estaremos lá. Nós, cada uma das mulheres que me compõem. A loba me ensina a caçar silenciosamente. A águia ensina a me afastar e encontrar soluções de longe. O meu jardim que cura com delicadeza e aroma, a Lilith que me lembra que sou a senhora do meu prazer e que não preciso me adequar ao paraíso de alguém.
A mulher ancestral não tem nome, não tem forma, não tem medo, não tem vergonha. Ela é Terra, é África, é seio, é líquido. Ela é isso tudo que eu sou. Isso tudo que me constrói e às vezes é necessário abandonar um pouco da casca que criei e descansar no seu colo. Conectar corpo, mente e espírito. Voltar para o feminino que me constitui me faz entender o todo.
Despertar o Sagrado Feminino nunca me pareceu tão necessário. Entender que sou força criativa assim como o Universo é reconhecer que não estou no mundo, mas sou o mundo.
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