A necropolítica de: MAIS EMPREGOS E MENOS DIREITOS

Uma operação conjunta resgatou 17 trabalhadores em situação análoga à escravidão em fazendas de café nas cidades de Boa Esperança e Ilicínea no Sul de Minas.

Nos anos 1850, abolicionistas se reuniam escondidos em pequenos grupos para tentarem de várias maneiras acabar com a escravidão. No entanto, como esse era um sonho um tanto quanto distante por conta da “elite” brasileira que não podia abrir mão de seu privilégio de escravizar pessoas em prol de sua riqueza, os grupos muitas vezes conseguiam apenas libertar alguns pela fuga, outros pela compra da alforria, porém sem nenhuma emancipação.

Que bom que esse tempo passou! Você pode estar pensando. E se está, tenho a ingrata missão de te dizer que você se engana querido leitor e querida leitora. A Lei me impede de dizer que as pessoas são escravizadas atualmente porque segundo ela, a Lei, não existe mais escravidão.

Apenas o livre mercado, capitalismo, negociação onde o patrão contrata mão de obra livre e paga por ela. Quando muito, ela, a Lei, me permite usar o termo “condições análogas à de escravidão”. Segundo o Artigo 149 do Código Penal trabalho análogo ao escravo é aquele em que seres humanos estão submetidos a trabalhos forçados, jornadas tão intensas que podem causar danos físicos, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto. A pena se agrava quando o crime for cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Ocorre que todos os dias grupos abolicionistas ainda enfrentam essa prática que sem boa vontade política está longe de acabar.

Uma operação conjunta entre a Operação Resgate 2022, promovida pela Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONAETE), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e outras instituições, como a Defensoria Pública da União (DPU), a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério do Trabalho e Previdência resgatou 17 trabalhadores em situação análoga à escravidão de fazendas de café no Sul de Minas após denúncia foi feita pela Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (ADERE- MG).

Imagem da operação

 

Os resgates ocorreram entre os dias 10 e 20 de julho em Ilicínea e Boa Esperança (MG). Dentre os trabalhadores foi encontrado também um jovem de 17 anos, executando trabalho proibido para menores de idade.

Quatro fazendeiros seguem sendo investigados, no entanto três firmaram Termos de ajustamento de conduta se comprometendo com a regularização de contratos, bem como condições sanitárias e de conforto adequadas dos alojamentos e das estruturas nas frentes de trabalho. Um deles se negou.

Os fazendeiros (sim, muitos, e não apenas os que são encontrados) cometem este crime anos após ano, safra após safra. Os trabalhadores, muitos em situação de miséria em suas regiões são aliciados com promessas de grandes salários nas lavouras. E quando chegam encontram alojamentos que se parecem com senzalas.

Uma senzala do século XVII. Imagem do Google

 

Alojamento que os fazendeiros oferecem

Entregam seus documentos para registro, porém o que ocorre na verdade é retenção dos mesmos. São submetidos a ficarem sem salários até o término da colheita sem saber o quanto terão que pagar de alimentação, moradia (os fazendeiros chamam esses lugares de moradia) ferramentas de trabalho, dentre diversas outras situações que os priva de dignidade humana.

Os trabalhadores resgatados receberão uma indenização por dano moral individual, além dos demais direitos trabalhistas. Segundo o MPT, em cada descumprimento das obrigações assumidas os investigados poderão pagar multa de R$ 3 mil, acrescido de R$ 1 mil por cada trabalhador que venha a ser encontrado em situação irregular e/ou prejudicado. A cada constatação, os valores serão duplicados em caso de reincidência.

Trabalhador estava há dois meses no alojamento com a perna quebrada sem registro e sem salário

Ficam as seguintes perguntas: os valores acima são capazes por si só de impedir grandes fazendeiros de continuarem com esta prática? Por que os fazendeiros não são presos e nem perdem suas propriedades? Quanto custa a dignidade de um trabalhador?

Eu sei. Você se indignou ao pensar nas respostas para essas perguntas. Me desculpe, mas foi essa indignação que senti durante este relato.

Autor: Giza Alexandre

Autor: Giza Alexandre

Filha de trabalhadores rurais, atualmente militante pela causa das mulheres negras e rurais, também atua contra o trabalho infantil, escravidão doméstica e escravidão no campo. Como escritora e roteirista já publicou livros, peças e ganhou o título de Diretora Executiva da Confederação Latino-americana de escritores, poetas e artistas do mundo. Produtora de conteúdo no canal no YouTube Giza Didática.

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