Ato I – crise
É hora do show. Som. Ok. Luz. Ok. Câmera. Ok. Quatro para nada.
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Vai!
Para onde? Não faço ideia, você é a protagonista desta peça. Onde quer estar? Qualquer lugar, menos aqui com esse holofote a me cegar. (Tenta sair de cena, mas o refletor a acompanha, colocando luz onde não havia e fazendo-a se assustar).
Espera, o que falamos para a plateia? Que plateia? Essas pessoas pagaram para me ver? Sim. Para me ouvir? Sim. Certeza? Sim. Devolva-lhes o dinheiro, não tenho nada de interessante para dizer. Prefiro ficar em silêncio. (Senta na beirada do palco, cruza os braços e encara a porta de entrada com descaso).
Ninguém da plateia se move. Atentos, a cada mínimo movimento, que a artista faça. Ela permanece imóvel, encarando a porta com os braços cruzados em protesto, claro, que não está onde queria estar.
5 minutos.
15 minutos.
25 minutos.
Nada. Uma melodia começa no piano e cresce gradativamente.
3 minutos. Violinos.
15 minutos. Violoncelos.
45 minutos. Saxofone solitário.
Ela esboçava um sorriso de pulso a pulso. Quase começa a dançar, mas não recordava os passos.
Seu coração estava no ritmo do piano, e para sua surpresa, suas mãos seguiam os violinos. A cabeça se movia com os violoncelos e seus pés acompanhavam o saxofone.
Ela decide levantar-se e dançar mesmo sem saber como. Entregou o corpo à música feito oferenda às musas.
Às vezes o que precisamos é silenciar a mente e escutar o coração para que ele nos coloque em movimento.
Quem aqui já se sentiu paralisada?
Sem saber para onde ir. Sem ter clareza de quem é. Sem se perguntar o porquê. Ou então pensar tanto no que fez e se frustrar pela inabilidade de se corrigir. Ou gostar do cômodo afago da inação e alimentação do ego vazio. Ou se deixar levar pelos vícios.
Como iluminar cada obstáculo reconhecido neste labirinto interno que é a sua personalidade? Onde colocamos o fio de Ariadne?
Olhe para o céu. Tem estrelas? Encontre o Cruzeiro do Sul. Oriente-se.
Ato II – identidade
A melodia para de supetão e em perfeita sincronia a artista também. Sua postura era um tanto quanto peculiar. As mãos estavam no chão, o tronco fazia um L com as pernas que apontavam para o Cruzeiro. O rosto encarava a plateia. Sustentou o desenho que fez sem lembrar que conseguia e deslizou pelo chão como uma serpente.
Sentiu-se serpente. Aquela que engole a própria calda. Sentiu que trocava a pele. Transformada em uma pessoa íntegra. Sua mente estava cristalina. Seu coração era de ouro. E brilhava. Levantou-se.
Respirou profundamente. Uma. Duas. Três. Não sorria. Nem tinha dúvidas. Não estava triste. Nem tinha ansiedade ou desejos. A isso chamam ataraxia? Que sentimento puro.
Finalmente colocou-se no centro do palco. Ergueu às mãos ao alto. Desceu-as até criar uma réplica da pose do Vitruviano. Alinhada com a Terra, sua mãe, em sintonia com Universo, seu pai, relembrou teu nome.
Amor Primordial. Dançarina da Vida. Criadora do Cosmos. Guerreira do Dia. Sacerdotisa da Noite. Divina. Humana. Rainha. Mulher. Macho-Fêmea. Protetora dos que insistem em buscar amar ser quem são.
Sua identidade reconhecida. Definida. Mantém-se fiel para que seja novamente vivida.
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História ficcional. Caso você discorde de algo ou queira acrescentar outro ponto de vista, vou gostar de saber.
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Fique a vontade para me enviar seus comentários no meu e-mail nuna6costa@gmail.com ou via DM no Instagram @nuna_costa
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Foto destaque: Nuna Costa
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