Mulheres e Redes de Apoio

Pega um chá, senta ali. Vamos conversar. Eu sei que você tem pouco tempo, mas precisa e, se sentirá melhor. Há quanto tempo você não toma um chá ouvindo a chuva e sentindo o cheiro de terra molhada? Pegue o chá vamos conversar.

Acordar, levantar e partir para mais um dia compõem uma sequência de atos simples e corriqueiros que podem parecer pesados. Aquela sensação de que tudo está desmoronando e que você já acorda correndo contra o relógio e nunca alcança. Não importa o quanto corra, nunca alcança… sabe essa sensação? Eu também sinto e te entendo.

Mentiram para nós o tempo todo. Nos disseram que deveríamos ser inimigas e que a amizade verdadeira entre mulheres não existe. Isso é uma grande mentira. E esta mentira não tem o propósito apenas de nos difamar. Não, amiga! É uma tática de guerra. Dividir o inimigo e o atacar sozinho, desprevenido.

 As pessoas foram feitas para viver em comunidade e em comunidade a gente se ajuda, a gente se ama e a gente se cuida. As antigas comunidades só sobreviviam porque as pessoas se uniam. Enquanto nômades caminhavam juntos. Na caça, caçavam juntos. Dividiam o couro, a carne, a gordura dos animais e assim todos comiam e se mantinham aquecidos.

Quando nossos ancestrais desenvolveram a agricultura era preciso que todos trabalhassem juntos para garantir a alimentação e assim com o passar dos anos foram estabelecidas as festas como festas da colheita. Lembro-me que quando criança em uma comunidade rural, a colheita do feijão era um verdadeiro festival. Alguns colhiam, outros colocavam nas carroças e levavam até os quintais das casas.

Nos quintais eram espalhados para que secassem ao sol e, durante diversas noites todas as famílias se juntavam, cada noite em um quintal para literalmente bater no feijão, para que os grãos se soltassem. Quando o último grão, da última família estava devidamente ensacado, rezávamos em agradecimento e dançávamos por toda a noite.

E as mulheres? Ah, as mulheres! As mulheres cuidavam umas dos filhos das outras para que pudessem buscar água, costuravam juntas, dividiam os fardos, os lamentos e as alegrias…até que aos poucos fomos levados a um ideal de felicidade que não se divide em um quintal, mas nos cerca em muros e apartamentos que não permitem saber o nome da vizinha. E as redes de apoio? As doulas, as parteiras, as curandeiras que levavam um chazinho quente com canja depois do parto, enquanto outra vizinha lavava os lençóis?

 Talvez você não perceba o quanto precisa de alguém que sinta o mesmo que você. Alguém que sente insegurança em dias ruins, alguém que desconta tristeza em um novo corte de cabelo, alguém que em diversos momentos sente que não vai dar conta, que precisa estudar, trabalhar, ser linda, casada, mãe e … e tanta coisa nessa lista infindável de itens para ser vista como bem sucedida que não dá tempo de olhar para o lado e ver que esse apoio está ali. Na mesa ao lado, na casa ao lado.

 

Imagina se na entrevista de emprego quando te perguntassem: “e se seu filho ficar doente e não puder ir à creche, quem cuida?” e você respondesse cheia de orgulho: “minha companheira de luta. E se ela não puder, tenho outra”. Ou se depois de um encontro com um babaca, sua amiga pudesse simplesmente abandonar a mesa e ir embora sabendo que você a buscaria para uma noitada, sem frustração pois as duas se bastam?

Imagina ser representada no Congresso Nacional por mulheres militantes contra a violência doméstica, violência obstétrica aprovando leis para sua segurança porque teve coragem de se candidatar somente por saber que as outras mulheres votariam nelas?

Eu sei que agora ao final desse nosso chá você pode estar imaginando como sua vida seria melhor se outras mulheres lhe apoiassem. Mas o que eu quero que você comece a pensar é como você pode melhorar a vida de outras mulheres se colocando como uma rede de apoio delas.

Autor: Giza Alexandre

Autor: Giza Alexandre

Filha de trabalhadores rurais, atualmente militante pela causa das mulheres negras e rurais, também atua contra o trabalho infantil, escravidão doméstica e escravidão no campo. Como escritora e roteirista já publicou livros, peças e ganhou o título de Diretora Executiva da Confederação Latino-americana de escritores, poetas e artistas do mundo. Produtora de conteúdo no canal no YouTube Giza Didática.

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