Olá, meu nome é Irresponsabilidade Afetiva

Começo este texto pedindo licença para escrever em primeira pessoa. Creio ser um assunto demasiadamente íntimo e, portanto, não quero que você leia de forma mecânica. Sei das limitações que os humanos têm em assimilar formas, cores ou sentimentos que em nada se pareçam com eles. Aqui represento a irresponsabilidade afetiva, mas para que me receba como uma velha conhecida sua pode me chamar de Rafaela, e pensar em mim como uma bela mulher de cabelos ondulados, óculos quadrados e um vestidinho básico que costuma me dar um ar de romantismo. Gosto de me sentar em um banquinho de uma praça inexistente, e ficamos lá, apenas o banco e eu, por horas olhando para o imenso nada disfarçado de universo de possibilidades, possibilidades que estão sempre se pondo, como o sol.

Eu tenho o olhar doce, um sorriso acolhedor e estou ali a espera de um grande amor. Eu tenho sonhos. E quero construir uma vida com alguém. É verdade. Eu sei que você não acredita, mas eu quero muito, tanto que quando alguém se aproxima e eu percebo que há um espaço a ser preenchido eu me lanço, me jogo, descubro o que há no mundo daquela pessoa e me moldo para caber. Eu mostro meus sonhos. Na verdade, apenas aqueles que respondem às expectativas. Eu escondo meus demônios interiores. Deixo bem amarrados lá no porão e abro a porta do meu pequeno quarto claro, florido e gostoso… crio situações, conquisto sua família, seus amigos e… era para ser pra sempre… a fiz acreditar que seria. Mas, de repente não quero mais.  

Simplesmente me afasto, não era isso que eu queria e me retiro bruscamente deixando um rastro de sofrimento e destruição porque não consigo viver muito tempo com meus demônios presos no porão. Também não quero que ela os conheça e tenha oportunidade de julgar se pode ou não aceitar. Não posso ficar e, não vou me importar com as pessoas que lutei para conquistar. Ainda que eu saiba que na verdade eu nunca pretendi ficar. Me escondo atrás da desculpa de que preciso cuidar de mim, que preciso de um tempo para refletir e assimilar os últimos acontecimentos, afinal, não sou obrigada a nada.

A  A dor que causei não é mais meu problema e vou embora, voltar para meu banquinho e buscar um novo amor, vou buscar um outro amor avassalador, esconder outra vez que só permanecerei enquanto o encanto do início durar. Me enfeitarei, esconderei meus defeitos, mergulharei na vida de outra pessoa e a deixarei lá, assim que eu não puder mais suportar.

Ao menos não sou abusiva. Não afasto sua família, seus amigos. Não controlo suas mensagens, não mino sua autoestima, não digo que ela jamais vai conseguir algo melhor. E por não ser abusiva, me sinto superior, como se o mal que eu faço fosse menos importante. Eu sou isso. A irresponsabilidade. Mesmo sem querer eu brinco com sentimentos, mas não sou nem de longe uma desculpa para que as pessoas fiquem em relacionamentos abusivos.

Ter responsabilidade afetiva é um ato de cuidado para com as pessoas que confiam em você. Sair de um relacionamento abusivo é responsabilidade e cuidado consigo mesma.

Autor: Giza Alexandre

Autor: Giza Alexandre

Filha de trabalhadores rurais, atualmente militante pela causa das mulheres negras e rurais, também atua contra o trabalho infantil, escravidão doméstica e escravidão no campo. Como escritora e roteirista já publicou livros, peças e ganhou o título de Diretora Executiva da Confederação Latino-americana de escritores, poetas e artistas do mundo. Produtora de conteúdo no canal no YouTube Giza Didática.

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