O CABELO DO SANTO

O Zé não era ninguém diferente não. Porém não era igual. Era aquele homem moreno, de meia idade, meio magro e de uns tempos pra cá vivia cabisbaixo coitado do Zé. Também pudera, foi conhecido como homem de sorte. Casou-se com Rita, a “bixinha” mais bem-feita de corpo daquelas bandas. Os cachos pareciam louros, mas não era nada não, o cabelo era só queimado de sol e sujo de poeira mesmo. A primeira quermesse que o pai deixou a menina ir sozinha, bateu aqueles olhões arregalados no Zé e não deu outra. O casório aconteceu em um ano. No outro ano nasce o Custódio, no outro Maria, depois Teresa, e Justino. Justino quase não se criou. Nasceu fora de tempo. O Zé prometeu sei lá pra qual santo que se o menino e a esposa vingassem o menino só cortaria os cabelos com a idade de vinte e um anos e ia pôr nos pés do santo. Não sei o nome do santo, mas o milagre foi feito.

Pensando em todo o sofrimento que a família passava, como fome sem comida, doença sem doutor… O Zé decidiu que era a hora acabar com a tristeza e partir pra São Paulo pra fazer a vida. Os meninos iriam estudar, e Rita nunca mais andar 7 léguas todos os dias pra trazer água pra casa. Ela merecia abrir torneira e achar água lá. E o Zé não estava errado não. Sorriu quando lembrou das vezes que Rita coitada, queria deixar a casa bonita e teve que passas estrume de vaca na parede de barro. Ficava verdinho! Ela sempre foi caprichosa.  

Um dia depois da janta, que comeu feliz e agradecido por ter macaxeira, mostrou a Rita um recorte de jornal onde havia uma cidade linda, com pessoas felizes trabalhando, meninos estudando e as belas donas de casa (não mais belas do que Rita), escolhiam verduras na feira. Emprego não faltaria. O Zé ainda aguentava ser servente de pedreiro e, quem sabe viraria até mestre de obra e Rita poderia descansar só cuidando do lar. 

E o plano seguiu, Zé vendeu uns bichos magros que ainda possuía, arrumou um pouco de dinheiro emprestado e desembestaram para realizar o sonho de São Paulo. 

Mas como havia dito, o Zé anda cabisbaixo. Rita tá nervosa, não tem mais o jumento pra buscar a água, e como não puderam pagar sua torneira secou. Os meninos não puderam ir pra escola. Fica longe e tem que pagar pra ir. As verduras também não estão na mesa. São Paulo é mais deserto que o sertão.  

O chão do sertão é de terra batida, o de São Paulo concreto puro. No sertão não chove, em São Paulo inunda. Mas o que deixou o Zé mais cabisbaixo foi ter que cortar o cabelo do menino aos quinze anos para inteirar as passagens de volta.  

Ou devo dizer o cabelo do santo já que estava prometido? Não sei. O que importa é que usou o cabelo. E a Rita? A Rita como sempre serena e sábia disse que foi o santo que providenciou, pois ele sabia que do nascimento prematuro dava pra escapar, mas do egoísmo humano e do sistema capitalista, desse não dava não.  

Autor: Giza Alexandre

Autor: Giza Alexandre

Filha de trabalhadores rurais, atualmente militante pela causa das mulheres negras e rurais, também atua contra o trabalho infantil, escravidão doméstica e escravidão no campo. Como escritora e roteirista já publicou livros, peças e ganhou o título de Diretora Executiva da Confederação Latino-americana de escritores, poetas e artistas do mundo. Produtora de conteúdo no canal no YouTube Giza Didática.

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