Liberdade, liberdade, o que fizeram com você?

O que é liberdade?

Inicio um novo parágrafo porque realmente espero que você pense em uma resposta. Eu aguardo.

Não tenha pressa. Ah, eu sei! É muito difícil responder a esta pergunta quando não há nenhum contexto envolvido. Bem, para facilitar esta conversa, preciso dizer que não organizei as ideias previamente como se faz uma boa escritora. Mas me proponho a pensarmos juntos como bons amigos. Pega o “cafezin” lá e volta aqui.  

O liberalismo clássico defende que só é possível que a liberdade individual seja exercida se a presença do Estado for mínima. Ou seja, o Estado não pode determinar o que os indivíduos farão com suas vidas. E o que isso significa na prática? Significa que as pessoas possam vender sua força de trabalho para quem quiser comprar, pelo preço que quiserem, sem que ninguém interfira. É o direito de fazer com seu corpo o que quiser. Entregar-se para trabalhar de graça, ou em troca de comida; decidir se os filhos vão à escola ou se estudam em casa. Escolher o médico que quiser, desde que pague pelo atendimento e emitir a opinião que quiser, independentemente do quão grave essa opinião possa parecer. Só não é permitido interferir na liberdade alheia.  

Após a Segunda Guerra Mundial, o Liberalismo surge de cara nova, portanto, esse novo liberalismo, ou neoliberalismo mantém a defesa das liberdades individuais acima do bem coletivo e defende que o Estado deva existir para interferir em questões pontuais, e claro, zelando pela propriedade privada, porém sem promover de forma alguma o estado de bem-estar.  

Há ainda outras bandeiras que defendem “essa tal liberdade” com outras características, como o Libertarianismo, que defende que a liberdade do indivíduo é o bem mais precioso que ele possui. Sendo assim, a luta pelas liberdades individuais deve ser a prioridade da humanidade. Embora sempre associados ao anarcocapitalismo. Entretanto, há libertários de direita e esquerda e nem todos são necessariamente favoráveis ao capitalismo. Independentemente da bandeira ou filosofia de liberdade escolhida, grupos de direita se apropriam desta palavra e afirmam ser seus fiéis defensores. É comum que políticos da Extrema Direita coloquem em seus discursos a palavra liberdade sempre junto a outras como Deus e Família. Defendem a liberdade da família em nome das crianças. 

Não querem que o Estado interfira na criação e na educação, assumindo que o adulto é capaz de cuidar sozinho e que a escola pode afetar a moral, ainda que cerca de 70% dos casos de abuso sexual contra crianças ocorra em casa por parte de familiares. E nesse contexto, em nome da liberdade e da família, estão prestes a destituir as pessoas do direito de contrair matrimônio com quem quiserem. Por que o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo ataca a moral, a propriedade, a continuidade da família de quem não é homoafetivo e nada tem a ver com isso? O que destrói a família para esses defensores da liberdade é o fato de que duas pessoas do mesmo sexo possam se casar e garantir assim, dentre outras coisas, o direito de herança, tão defendido pela própria direita. 

Será que o fato de meu vizinho que mora com seu parceiro, trabalha e constrói patrimônio com este parceiro, vier a assinar uma folha em um cartório que dará a eles todas as garantias sobre os bens conquistados por ambos vai interferir na minha liberdade de me manter solteira ou de me casar com alguém do sexo oposto? Este fato fará com que meu filho de repente deixe de ser um bom filho e ocorrerá uma catástrofe em minha família? E se forem proibidos de se casar, passarão a se relacionar com o sexo oposto da noite para o dia e garantirão o nascimento de alguns bebês?  

Talvez a vontade de se casar seja tanta, que com a proibição, os casais homoafetivos desistirão de sua homoafetividade e se casarão com quem a lei permitir, afinal, é só uma vontade. Será que alguém pensa assim? Por fim, espero que não tenha me alongado tanto ao ponto de esfriar seu café. Mas precisamos agir e colocar essa discussão na esfera das liberdades individuais sem medo de cair em armadilhas. Essas pautas foram abandonadas por eles e adotadas por nós. 

 A Direita passou a se intitular como liberal na economia e conservadora nos costumes. Ou seja, não quer que o Estado garanta a saúde, a educação, o direito à alimentação ou que fiscalize o trabalho digno. Mas quer que se proíba a liberdade ao amor, à união e até à herança, esta que está na pauta econômica quando trata de casal hetero, mas passa para o âmbito moral quando se trata de casal homoafetivo. A direita entendeu bem que a senhora evangélica de 70 anos e com pouco estudo acredita que entrarão nas escolas e obrigarão as crianças a se tornarem gays. E esta senhora acredita que só está defendendo a criança, mas as pessoas que ganham o voto dessa senhora sabem que não há nada disso. Porém, manter esse medo é necessário. É necessário  garantir para esta senhora que estão travando uma luta santa em nome de Deus e da família dela.  

De outro modo, se voltarem às liberdades individuais, como performarão para obter os votos dessas tantas senhorinhas de boa fé e permanecer vivendo às custas do Estado malvado que dizem combater? Vamos sem medo debater no campo deles. Vamos debater no campo das liberdades.  

Referências 

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; BORÓN, Atílio. (Org). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.  

ARENDT, Hannah. O que é liberdade? In: ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o futuro. 2ed. São Paulo: Perspectiva, 1988. 

BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Unesp, 1995.  

CARTER, Ian. Libertad negativa y positiva. Astrolabio: Revista internacional de filosofia, Barcelona, n.10, 2010, p.15-35. 

MACPHERSON, Crawford B. Teoria política do individualismo possessivo de Hobbes até Locke. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 

Autor: Giza Alexandre

Autor: Giza Alexandre

Filha de trabalhadores rurais, atualmente militante pela causa das mulheres negras e rurais, também atua contra o trabalho infantil, escravidão doméstica e escravidão no campo. Como escritora e roteirista já publicou livros, peças e ganhou o título de Diretora Executiva da Confederação Latino-americana de escritores, poetas e artistas do mundo. Produtora de conteúdo no canal no YouTube Giza Didática.

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